terça-feira, 30 de setembro de 2014

Chaleira chiando é um lar

T. Dylan Moore / Searching Through Vapors For Substance


Chaleira chiando é um lar.
Fui descobrir isso quando me peguei morando sozinha em Porto Alegre, longe da minha mãe e da sua cozinha.
Às vezes, eu esquentava água pra que o chiado me alcançasse de novo. E preenchesse a minha casa.
No inverno era pior. Porque tinha o vento. E a solidão se agigantava. E a gente olhava pela janela: as pessoas dobradas pra dentro, uma aura cinza na paisagem, uma imensidão que se abria em direção ao peito.
E daí, nesses dias, eu me perguntava por que tantos sonhos grandiosos, tantas horas apressadas. Eu só queria que o interfone tocasse de surpresa, como na casa materna, onde sempre tinha café passado na hora para acalentar alguém que aparecesse para jogar conversa fora.
Eu vivia sozinha, colocava a chaleira pra chiar, sozinha, enchia as horas de tarefas, sozinha, mas, no fundo, o sonho que eu sonhava era um sonho menor. Talvez porque um dia eu vivi numa casa onde apareciam pessoas sem hora marcada para tomar café e jogar conversa fora, eu intuía que tudo voltaria.
E voltou.
O sonho menor.

Tudo isso pra dizer que fritar bolinho de chuva é um ato de extrema generosidade que precisa - e deve - ser mantido por gerações, ok? Porque pode aparecer visita sem hora marcada, e com poucos ingredientes da despensa - e um café passado na hora, é claro -, a casa materna se abrirá de novo, como um tempo firme, um sol. E, assim, sempre vai haver esperança de afeto, abrigo, mesmo que os dias não sejam bons.

Bolinho de Chuva

Ingredientes
- 2 xícaras de farinha de trigo
- 1 pitada de sal
- 1 colher de chá de fermento químico seco
- 1/2 xícara de leite
- 1 ovo
- 1/2 xícara de açúcar
- óleo para fritar
- açúcar e canela para polvilhar

Modo de preparo
Misture todos os ingredientes. Não tem mistério nenhum. Depois aqueça o óleo. Aí é que se inicia uma saga que vai testar a tua paciência. Vou te dar a real, são grandes as chances de tu fritar o bolinho por fora e por dentro ele ficar cru. É horrível. Então, com o tempo, fui aprimorando minha técnica, que consiste em usar a chama mais baixa e, mesmo assim, ir tirando a frigideira do fogo para fitar um pouco fora. Eu coloco pra fritar ainda no fogão, quando o bolinho sobe e fica dourado de um lado, eu viro e tiro do fogão. Deixo fritar um pouco e, assim que fica dourado, coloco de volta pra fritar do outro lado mais um pouco. Vou sentindo... Siiiiiiiiim, é demorado, quase uma tortura, eu sei, mas foi a única maneira que encontrei de fritá-lo perfeitamente. O processo todo demora uma meia-hora. Mas meia-hora não é nada quando se tem uma boa companhia pra jogar conversa fora. Afinal, pra que tanta pressa?