Esse é um blog que fala de comida e da poesia de prepará-la, com suas curvas, erros e descobertas. Como disse Nelson Rodrigues, Deus está nas coincidências. E nessa oração recorrente de conferir sentido ao aleatório, brinco de transformar a cozinha num altar cheio de significados. Pra levar o barco, quando o mar tá calmo ou o tempo é ruim. Vem!
quinta-feira, 25 de julho de 2013
Panquecas americanas ou uma licença poética
Isso aqui é waffle, eu sei. A panqueca é diferente
na forma, mas o sabor é bem parecido
Vó Ritta
Comida é um troço absurdo.
Não falo da comida e dos seus nutrientes e do saciar da fome que ela provoca. Não. Falo que a comida é um absurdo porque ela mata outra fome - a da memória.
Onde a gente busca a vó da gente quando ela já se foi e no endereço dela há uma outra família? Onde?
Hoje eu misturei farinha, açúcar, ovos, leite, manteiga, sal e fermento e a dona Ritta surgiu ali. Não esperava. Porque a receita era de uma panqueca americana e a minha expectativa era recriar, na melhor das hipóteses, aquele clima calórico dos cafés da manhã da minha adolescência tardia além-mar. Mas não. A história de hoje no fogão me levou bem mais longe e, por mais que o resultado da experiência tenha sido uma réplica perfeita da receita dos States, me permito uma licença poética. Entre nós, aqui, o que fiz hoje foi a legítima waffle da vó Ritta. E estamos conversados.
Aposto que a tia Mari e a tia Drica vão me compreender. Sacam aquele cheirinho da massa tostando na frigideira? Lembram da gurizada ao redor das "wafflas" deixando a vó atacada por não respeitarem a conclusão da tarefa? Conseguem ficar com água na boca só de imaginar o doce de leite espalhado na massa ainda quente, especialmente quando alguém roubava o doce antes que a vó percebesse?
Isso tudo veio hoje.
A vó das diferentes caras. Da cara zangada quando a gente deixava a mangueira do pátio aberta. Da cara irritada com muitas mãos se intrometendo na cozinha. Da cara cansada, sim, e quem não pode ter cara cansada depois de passar 23 anos da vida entre grávida e lactante? E da cara feliz. Sim, ela tinha tanto dente no sorriso porque era uma leoa dengosa que gostava de mimo.
Eu fiquei sem a minha vó das "wafflas", mas ela voltou em meio a uma peripécia americana. E encheu a minha casa. E me senti um pouco vó. Vó dela também, do lado de lá. A minha vó que foi ficando cada vez mais doce com o passar do tempo, a minha vó cujos olhos foram azulando. Será que todos os olhos azulam no final da jornada? Vó Ritta, deixa eu dizer, aqui, entre nós, adoro teu nome. E adoro tua "waffla".
Receita
Ingredientes:
- 1 e 1/4 de xícara de farinha de trigo
- 2 colheres de sopa de açúcar
- 1 pitada de sal
- 3 colheres de fermento químico em pó
- 1 pitada de canela (a minha licença poética)
- 2 ovos
- 1 xícara de leite
- duas colheres de sopa de manteiga derretida
Modo de fazer:
- Coloque a mistura dos ingredientes dentro de uma jarra e despeje numa frigideira ANTIADERENTE poderosa de modo que forme uma bola no centro. A massa fica mais líquida mesmo. E a panqueca fica gordinha, digamos assim. Note que bolinhas vão subindo na massa. Isso significa que está cozinhando. Com uma espátula de silicone (sim, para não riscar a poderosa frigideira antiaderente), veja se a massa tostou. Assim que ficar marronzinha, vire do outro lado para completar a coisa toda. A receita rende 8 unidades. Depois dá para cobrir com geléia, mel, manteiga ou doce de leite. Frutas fazem uma ótima companhia também.
Era isso. Tchau.
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Parabéns, que maneira linda de passar uma receita. Podes ter certeza que as panquecas ficarão muito mais saborosas depois da licença poética.
ResponderExcluirOi, Neila, obrigada por comentar. Me sinto feliz.
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